segunda-feira, 27 de junho de 2011

O direito à adoção por casais homoafetivos

As uniões homoafetivas e seus efeitos vêm ganhando reconhecimento jurídico aos poucos. É o que demonstra o julgamento ocorrido na Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça na semana passada. A decisão negou recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, mantendo assim o posicionamento da Justiça Gaúcha, que permitiu a adoção de duas crianças por um casal de mulheres.
Sim, um casal de mulheres! Duas crianças! Forma-se uma entidade familiar atípica, mas apenas pelo fato de não estar elencada no rol descrito pelo artigo 227 da Constituição Federal. A manifestação do STJ confirma o entendimento de que a ausência de menção legal expressa a qualquer tipo de união entre pessoas do mesmo sexo não inviabiliza o seu reconhecimento e proteção como entidade familiar.
Assim entende o Tribunal do Rio Grande do Sul, pioneiro nas decisões mais avançadas no âmbito das relações homoafetivas e do Direito de Família em geral, cujo posicionamento foi confirmado pela Quarta Turma do STJ na semana passada.
E a notícia de tal “façanha” abriu caminho para outros Tribunais, como ocorreu na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Também, na semana passada, o órgão colegiado reconheceu o direito de um casal homossexual à guarda de uma criança no município de Tangará da Serra. No julgamento, o pedido de um dos parceiros para adotar a menor foi concedido. O companheiro dele, com quem convive há seis anos, já havia adotado a criança.
O ineditismo da decisão do STJ não nos causa espanto nem perplexidade. É a necessária constatação de uma realidade, que revela famílias constituídas de maneira diversa daquelas classicamente reconhecidas, e que fazem jus à devida proteção do Estado. 
É fato inconteste que a família brasileira mudou, e sua constituição não mais se limita a aspectos objetivos e formais, sobretudo a exigência de norma expressa. O entendimento do STJ nos revela e confirma que entidades familiares homoafetivas são dignas de reconhecimento e proteção, segundo suas características próprias, inclusive no que diz respeito à prole. Na medida em que qualquer união esteja marcada pelo amor, pelo respeito mútuo, pelo afeto, pela comunhão de vida e projeto afetivo em comum, haverá sólida base para a assimilação dos variados núcleos familiares, sejam eles decorrentes do casamento, da união de um homem e uma mulher, do agrupamento de qualquer um dos pais com seus descendentes ou uniões entre pessoas do mesmo sexo.
A manifestação da Quarta Turma do STJ indica que a extensão da paternidade à companheira consagra a maior expressão do amor paterno- filial, que neste caso não se alicerça em vínculos biológicos, mas sócio-afetivos, ou seja, voluntários, espontâneos e verdadeiramente genuínos.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso no STJ, “toda construção do direito de família foi pretoriana. A lei sempre veio a posteriori”. As relações familiares são dinâmicas e por isso, muitos dos avanços legislativos se devem  à iniciativa jurisprudencial dos Tribunais. Na ausência de preceito legal, vemos a norma se adequando ao fato social de maneira a abrigar direitos essenciais que decorrem das uniões homoafetivas. No julgamento em análise prestigiou-se o princípio do melhor interesse das crianças envolvidas, cuja dignidade está diretamente pautada pela relação de afeto construída ao longo do período de convivência.
Após esse julgamento, a família que lutava para permanecer unida por meio um vínculo formal conquistou a garantia de exercer direitos que assegurem o bem-estar de suas filhas. O reconhecimento da adoção realizada permite que tais pessoas passem a exercer a comunhão de vida sob o pálio de uma verdadeira entidade familiar, como de fato já era, porém agora, com direitos e deveres abertamente reconhecidos.
Afinal: será que a submissão cega à vontade da lei continuará nos impondo conceitos estanques e ultrapassados acerca do que devem ser pai e mãe?  Pensamos que não. O deveres perante a sociedade, suas responsabilidades pela educação, formação, e sobretudo o aporte do carinho necesssário para o desenvolvimento dos filhos cabe a ambos, independentemente de serem dois homens ou duas mulheres.

Autora do texto: Suzana Borges Viegas de Lima. Professora Assistente de Direito Civil e Prática Jurídica da Universidade de Brasília (UnB). Também é advogada e mestre em Direito, Estado e Constituição.
Fonte: Universidade de Brasília – http://www.unb.br/

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